Gosto não se discute?

No início da semana passada, prometi este post ao meu comparsa Roberto Soares Neves, o Snows, com quem costumo praticar amadoramente o grande esporte da opinião temerária. Ele vinha defendendo que a idolatria de certos grupos por artistas como Chico Buarque de Hollanda e Bob Dylan se devia unicamente (se entendi bem) a um complô destinado a aumentar as suas vendas. O tema central desse post, contudo, é outro, que pode ser resumido na questão: gosto se discute?

Isso porque um dos meus mais recorrentes argumentos, quando o Roberto afirmava que o Dylan, embora não fosse ruim, não era genial, era dizer que isso se devia antes de mais nada ao fato de que o Roberto não tinha as ferramentas necessárias para entender o que havia de legal a respeito daquele judeu fanho, e portanto não podia realmente gostar do som dele.

Mas atenção: não estou tentando dizer que todo o mundo que entende o som do Dylan necessariamente gosta: alguém pode entender e achar uma grande porcaria, e ter boas razões para isso. O ponto é só que, quando o Roberto diz que as canções de quatro acordes do Dylan nunca vão ser tão marcantes quanto o riff de Smoke on the Water, o que ele está fazendo é avaliar o som do Dylan segundo parâmetros com os quais não faz o menor sentido avaliá-lo, e isso demonstra muito mais o despreparo do avaliador do que qualquer coisa a respeito da qualidade da obra.

Não se trata, portanto, de um absolutismo de gosto, mas justamente um relativismo: não estou dizendo que Dylan é necessariamente melhor do que outras coisas, mas sim que só se pode gostar de alguma coisa segundo certos critérios que precisam, de certo modo, ser aprendidos. O legal a respeito disso (e o que me levou a ter vontade de escrever esse post) é que esse relativismo não significa uma inexistência total de critérios: ele depende desses critérios contextuais.

É que a ideia de que “gosto não se discute” sempre me incomodou. Para mim a única explicação para as mudanças de gosto pelas quais passamos durante a vida é que existem padrões de gosto que desenvolvemos durante ela. Eu quero crer que, se o tempo me levou a deixar de gostar disso para gostar disso, disso e disso, isso não é um mero acaso. Se essas mudanças fossem flutuações aleatórias, nada nos impediria de acordar um belo dia gostando muito de Limp Bizkit. Viveríamos com medo.

Mas aí alguém pode me acusar, como fez o Robertinho, de estar sendo sim um absolutista ao dizer que a evolução do gosto necessariamente levará para uma determinada direção (i.e. começando nos sucessos da Atlântida e em direção ao Festival de Montreux e, é claro, ao Bob Dylan). Mas não é isso que estou dizendo: embora hajam direções mais ou menos comuns, os gostos podem se desenvolver para diferentes lados. Um exemplo são músicos profissionais que, a partir de um certo ponto, começam a admirar uma música pop bem feita (ou bem produzida, montada), que provavelmente seria considerada por eles próprios, em tempos passados, uma bosta de música.

Para mim o que parece acontecer é mais ou menos o seguinte: é como se tivéssemos papilas gustativas com as quais apreciamos qualquer tipo de arte e, para desenvolvê-las, precisamos nos expor gradualmente a certos tipos de expressão, precisamos de contexto, de uma predisposição a certas atitudes, etc. É por isso que para a maioria da população do Brasil 99% do que eu escuto poderia ser classificado como “barulheira” ou “música deprê”, e que toda uma geração começou a gostar de MPB quando escutou o Bloco do Eu Sozinho. Precisamos trilhar certos caminhos para aprender a gostar das coisas e, embora isso não nos faça superiores, às vezes pode valer a pena: é sempre bom ter em mente que podemos estar perdendo alguma coisa.

3 thoughts on “Gosto não se discute?

  1. “Se essas mudanças fossem flutuações aleatórias, nada nos impediria de acordar um belo dia gostando muito de Limp Bizkit. Viveríamos com medo.”

    Épico.

  2. Gosto aparentemente não se discute, impõe-se com um aparelho de som gigantesco posicionado no porta-malas do carro. Eu, por exemplo, nunca passei por alguém ouvindo Chopin no volume “decolagem de avião”.

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